
O Rebranding Cultural da Capivara: Uma Análise da Resignificação Simbólica no Ecossistema Midiático
Introdução
O rebranding, enquanto estratégia de reposicionamento de marca, tradicionalmente é associado ao universo corporativo e comercial. As Sandálias Havaianas é um exemplo clássico. No entanto, o conceito pode ser expandido para além das organizações, aplicando-se também a entidades simbólicas, fenômenos culturais e figuras coletivamente representadas, como personagens históricos, locais geográficos e, neste caso, animais. A capivara, maior roedor do mundo e espécie típica da fauna sul-americana, tornou-se um exemplo notável de rebranding cultural espontâneo, ressignificando sua imagem no imaginário social por meio da mediação digital e do discurso viral.
Rebranding como ressignificação simbólica
O rebranding, de acordo com Wheeler (2017), envolve um processo de alteração ou refinamento da identidade de marca, com o objetivo de realinhar sua percepção perante o público-alvo. Quando transposto para contextos socioculturais, o rebranding assume contornos de ressignificação simbólica, processo no qual um signo — seja uma marca, figura ou narrativa — tem seu significado alterado por novas práticas discursivas e interações culturais.
No caso da capivara, há uma clara transição de símbolo biológico associado ao risco (em especial, por sua relação com o carrapato-estrela, vetor da febre maculosa) para um signo de tranquilidade, coletividade e gentileza — uma construção mediada, em grande parte, pelas plataformas digitais.
A imagem da capivara no passado: o signo do risco
Durante décadas, o discurso dominante sobre a capivara esteve atrelado ao risco epidemiológico. Reportagens jornalísticas, campanhas de saúde pública e a literatura médica apontavam o animal como reservatório do carrapato-estrela, vetor da bactéria Rickettsia rickettsii, causadora da febre maculosa — doença grave, com taxa de letalidade elevada.
Tal associação consolidou uma imagem de “animal perigoso”, reforçando o afastamento humano e o estigma em relação ao animal, sobretudo em áreas urbanas e parques públicos. Este discurso reforça o que Hall (1997) denomina de práticas de representação hegemônicas, nas quais o signo (neste caso, a capivara) é fixado em um determinado campo semântico a partir de interesses institucionais ou contextos dominantes.
A virada discursiva: capivara como símbolo de paz e conexão
Nos últimos anos, no entanto, houve uma inflexão significativa. Impulsionada por conteúdos virais nas redes sociais — vídeos no TikTok, memes no Twitter/X, artes visuais no Instagram — a capivara passou a ser ressignificada como símbolo de serenidade e convivência pacífica. Imagens de capivaras descansando em grupos, interagindo harmoniosamente com outras espécies, ou simplesmente “curtindo a vida” passaram a representar uma nova leitura semiótica do animal.
Essa virada simbólica não é planejada por nenhuma instituição formal. Trata-se de um rebranding espontâneo, coletivo e participativo, fruto da convergência cultural descrita por Jenkins (2006), onde usuários transformam-se em produtores de significados por meio de práticas como remix, curadoria e viralização.
O animal, que antes evocava alerta, passou a representar calma, contemplação e coletividade, sintonizando com valores contemporâneos como o “slow living”, o autocuidado e o desejo de reconexão com a natureza.
A lógica do rebranding cultural nas redes
As plataformas digitais atuam aqui como ambientes propícios para a circulação e reconstrução simbólica, permitindo que a imagem da capivara seja continuamente resignificada. Isso é possível porque, como aponta Castells (2009), a comunicação em rede permite que os significados se descentralizem e se tornem polissêmicos, fluindo entre diferentes contextos culturais.
A viralização de conteúdos relacionados à capivara — vídeos relaxantes, trilhas sonoras lo-fi, ilustrações kawaii, produtos de moda e memes — demonstra um processo típico do que Bourdieu (2001) chamaria de valorização simbólica, em que um objeto, antes desvalorizado, é recontextualizado em um campo social que lhe atribui novo prestígio.
Implicações para o branding contemporâneo
O caso da capivara oferece aprendizados valiosos para estudiosos e profissionais do branding:
1. A força dos discursos espontâneos: A marca (ou símbolo) pode ser ressignificada não por decisão institucional, mas por narrativas comunitárias.
2. O poder das redes sociais como vetores de transformação simbólica: A cultura digital permite que signos circulem, se reinterpretem e assumam múltiplos sentidos.
3. A centralidade da identificação emocional: A capivara conecta-se emocionalmente com o público por representar calma em tempos ansiosos — valor profundamente desejado na sociedade contemporânea.
Concluindo
A reconfiguração da imagem da capivara é um exemplo emblemático de rebranding cultural não intencional, operado pela cultura participativa e pelas mídias digitais. Esse processo demonstra que símbolos, mesmo os aparentemente mais improváveis, podem ganhar novos sentidos e ocupar lugares centrais no imaginário coletivo quando associados a narrativas afetivas e valores emergentes.
O caso da capivara, portanto, não é apenas um fenômeno curioso de internet: é um indicativo de como a construção de imagem e identidade — conceitos-chave do branding — ultrapassam as fronteiras comerciais e se aplicam também aos campos simbólicos da cultura.
Podemos aproveitar exemplos claros de resignificação como este para fazermos um ensaio em nossas vidas e aprender a resignificar alguns aspectos ocorridos em nossas vidas que por vezes nos aprisionam ou nos limitam.
Assim como as capivaras não mudaram em si, nosso passado jamais irá mudar, não obstante o efeito que ele confere ao nosso presente pode sim, modificar o nosso futuro.